terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A ditadura da beleza não é mole não!


(VIII) Que mulher é metonímia, parte pelo todo, até na mais assombrosa das
criaturas existe uma covinha, uma saboneteira, uma omoplata, um cotovelo, um
detalhe que encanta deveras.
IX) Que me desculpem as muito lindas, mas sem imperfeição não há tesão. Um quê de
feiúra é fundamental, empresta à fêmea uma humildade franciscana quase sempre
traduzida em benfeitorias de primeira qualidade na alcova.
Os 10 mandamentos do homem feio, Xico Sá

"Um mínimo de cirurgias plásticas, dietas patetas e essas ginásticas fantásticas... Vivei e amai ao Sol! Para aquele que ama, vossos senões são poesia. Nada mais lindo que as feiurinhas da mulher amada!  Camelô do Amor, Vinícius de Moraes 


Tentando tirar a caneta do estaleiro fiquei longas horas escavoucando palavras, ciscando fatos e tendências em busca de algum mote. Sem êxito, desisti. Fui para academia, não malhar o corpo, o cérebro. Eureka. Ali estava um grande exercício de flexão e reflexão.

Enquanto caminhava, escrevia o texto - mentalmente - tentando entender por que a ditadura da beleza é tão cruel com a nossa geração. Em especial com as mulheres. Chega a ser assustadora a nova geografia feminina. Seus contornos, seus abismos, suas sinuosidades derraparam na plasticidade do silicone, suas expressões congelaram impostas por aquela toxina tão prestigiada. Olhei ao meu redor e vi bonecas de borracha exibindo seus abdomens tanquinho, seus músculos, peitos e lábios muito mais fortes do que os que Caetano cantou. Super mulheres malhadas, super rãs pela tonicidade das coxas e canelas atrofiadas. Minha geração tinha modelagens mais simpáticas: cinturas de pilão, de violão, as pernas igualmente torneadas, o bumbum arrebitado, os braços frágeis, o colo delicado e macio, o refúgio de poetas.

Acredito que o culto exagerado em busca do corpo perfeito camufla outras inseguranças que infelizmente as anilhas, os estepes, os elípticos e até mesmos os simuladores e demais aparelhos de musculação são incapazes de resolver.

E por falar em resolver, sou muito bem resolvida. Quando avaliada e questionada sobre o resultado esperado na academia fui taxativa e direta "não busco um corpo perfeito, nem sarado, nem tanquinho, estou satisfeita comigo, busco saúde e fortalecimento dos joelhos e mãos, vou precisar muito deles com o tempo, não quero ser uma mulher rã, apenas tonificar o esqueleto". Depois do disparo, o olhar atônito do preparador físico, talvez me achando engraçada, ou não. Gosto de ir contra a maré! Essa é minha onda! Amar é se aceitar antes de tudo! É cuidar do que você é. Se exercitar é saudável. Malhar o cérebro é essencial. Deixa qualquer mulher melhor.

Quem disse que a beleza que a mídia vende é a única que tem mercado? A mulher é um produto? E por isso deve manter uma embalagem impecável? Tou fora! E fora literalmente desse mundo. E sou vaidosa, ouviu? Ninguém pense que sou estilo feminista ou largadona, até porque se assim fosse seria largadinha. Um metro e quase de batom vermelho desfilando de saltos pra lá e pra cá. E tem mais, uso saltos não porque queria ter um metro e tanto. Uso porque sim! Mais que o corpo, elevam a alma feminina.

Como uma coisa puxa outra, os saltos apontam para outra imposição: alguém já viu desfiles ou modelos de garotas "mignon"? Se souberem, por favor, me avisem, eu nunca vi. É como se não houvesse moda e, muito menos mídia, adequada a nossa compacticidade. Sobre isso, vi recentemente umas chinesas se dando mal em cirurgias para aumento de tamanho e modificação do rosto. Almejam a beleza ocidental estampadas nas capas de revistas e outras peças publicitárias. Sinceramente chega a ser cômico se não fosse trágico. Pelo menos, estão valorizando aquelas do tamanho GG, as plus size. Nesse sentido, as fábricas de lingerie já estão mais preocupadas em criar peças para essas divas, em valorizá-las e apresentarem nas passarelas uma beleza mais real.

Na verdade, essa ditadura não é mole não! E a ideia de que "as feias que me desculpem, mas a beleza é fundamental" já foi derrubada. Eu mesma nunca acreditei que este verso representasse de fato o pensamento de Vinícius de Moraes, não deste grande poeta, apesar do crédito, mesmo assim, ainda bem que ele próprio se redime em “Senão é como amar uma mulher só linda. E daí?”... "Para aquele que ama, vossos senões são poesia. Nada mais lindo que as feiurinhas da mulher amada!" Vinícius de Moraes, in Camelô do Amor. 

Assim viva Xico Sá "Que me desculpem as muito lindas, mas sem imperfeição não há tesão.” Os 10 mandamentos do homem feio, Xico Sá

De fato, o que precisamos entender é que mais que embalagem precisamos de conteúdo! As bonecas são lindas sim, sem dúvida, mas vazias. Sem cicatrizes, sem manchinhas, sem estrias, sem dobrinhas, sem histórias não pode existir mulher, um objeto apenas.


Geneceuda Monteiro
04 de fevereiro de 2014