quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Quem já viu um boi voar?


"A queda atingiu o olho dele". Sentenciou o médico a Dona Anatil.Logo logo, todos superariam o pequeno desvio ocular dos olhos daquele menino. Afinal, não fora uma deformação congênita, mas uma marca registrada por um ato heróico daquela pequena criança que resolvera subir em um frágil "pé-de-pinha" para salvar um bebê-passarinho que acabara de cair do ninho.

Lá vai ele, todo decidido e com o passarinho preso em suas maõzinhas conseguiu salvá-lo. Pena que ao tentar descer da árvore um de seus galhos tíbios não fora suficiente forte para segurar aquele menino rechonchudo, que dali para frente, como lembrança de seu ato de pequeno herói, teria de conviver com os muitos incômodos que uma visão prejudicada pode causar a qualquer um.

Mas ele nunca se queixou. Quando falava no assunto, falava com orgulho, com saudade da infância, com alegria. Esse era Wilson Maux. O "boi véi" como eu o chamava e de quem sempre ouvia retrucar, logo em seguida, com o tom grave de sua voz: "tome tento, me respeite menina, eu sou seu pai". Daí, ele estendia a mão na mesa, porque sabia que eu daria uma bofetada em seus dedos, olhava para Ceição e resmungava "Ai Ceição, ela bateu em mim! E você não faz nada?" Perguntava cobrando dela uma atitude, cobrando dela que lhe ouvisse as manhas e birras e, como Ceição apenas franzia as sobrancelhas, ele dava um "michocho" feito criança turrona. E eu? Achava graça e lhe batia nos dedos novamente.

Depois nos sentávamos todos em volta da mesa, conversávamos, ríamos, comentávamos alguns poemas e ele lia a última crônica que eu não acordara a tempo de ouvir. Foi assim também quando escreveu "Segunda-feira triste", que na verdade foi um poema escrito uns dois meses antes de sua morte e que fora transformado em crônica no domingo que antecedeu a segunda, 17 de janeiro. Lembro bem quando ele pegou seus óculos, abriu a carteira e disse:

- Filha, escrevi algo, quero ler para você.

- Leia boi, tou ouvindo!

Quando acabou a leitura, como sempre me perguntou:

- Gostou?

- Não.

E ele rindo me disse:

- Menina, precisa ser tão sincera? Tá ouvindo isso Ceição?

Então expliquei:

- Não boi, não é que achei feio, é um poema bonito, mas é um pouco sinistro, como uma despedida... não sei... não me senti bem, achei muito pesado...só isso, mas é um texto bonito...

Nos calamos por alguns minutos. Em seguida ele me lembrou de uma palestra que havíamos participado em Cabaceiras, cujo mote eu tinha sugerido. Me falou de um novo convite para voltar naquela cidade, agora em 2011, e disse que só aceitaria o convite se eu garantisse que faria sua apresentação lá.

- Como daquela vez. Você faz?

- Claro seu boi véi. Vamos fazer sim. Essa foi uma de nossas últimas conversas.

Mas aí, não deu. Nem dará. O menino rechonchudo, leve como um passarinho avoou. Terá ido para o céu dos passarinhos? Não se sabe. E desde quando boi voa?

Voa sim. Desde que se tenha um coração de criança, uma alma livre como pássaro e um crédito no céu com um amigo passarinho de quem se salvou a vida. Assim, com todas essas credenciais Wilson Maux passou, passarinhou levado por um bando de outros passarinhos que vieram saudá-lo e guiá-lo para outros ares.

Êêêêêê boi! Foi como no dia que você voou de balão! Com a mesma leveza, foi subindo devagarinho como quem vai ficando. Voa boi! Voa bem!

Daqui debaixo te acharemos em um ninho qualquer, nas asas de algum passinho sonhador.

Geneceuda Monteiro, filha do coração de Wilson Maux
Campina Grande, 17 de fevereiro de 2011
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Um comentário:

  1. Que lindo, Gene!!!
    Quem pode se dar ao luxo de ter sido "filha" de um ilustre e respeitável como Wilson Maux, de fato, tem que lembrar com homenagem de uma voz que fazia tremer até os menos sensíveis. Esse sim, tinha assinatura e, para sempre, poderosa.

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